terça-feira, 4 de janeiro de 2011

ESPECIAIS E CAPAZES


Especiais e capazes - Manoela Alcântara - Correio Braziliense - 03/01/2011 14:54

Pesquisa aponta que, mesmo com respaldo legal, a contratação de pessoas com deficiência é abaixo do mínimo determinado. Para especialistas, essa realidade é resultado, sobretudo, do preconceito dos recrutadores.

Os passos lentos, a fala embargada e as dificuldades motoras causadas por uma paralisia cerebral não foram suficientes para que Heron Luiz dos Santos, 35 anos, desistisse de entrar no mercado de trabalho. Assim como milhares de brasilienses desempregados, ele sai de casa, no Recanto das Emas, quase diariamente com uma pilha de currículos nas mãos rumo ao Plano Piloto, na esperança de realizar o sonho de trabalhar na área de comunicação e exercer sua paixão: o jornalismo policial. A rotina de bater à porta das empresas já dura quase dois anos. Mesmo depois de ouvir tantos “nãos”, ele se recusa a jogar a toalha.

Heron faz parte de uma triste estatística que contraria as leis de inclusão social do país. Segundo pesquisa do Instituto Ethos e do Ibope Inteligência, divulgada no segundo semestre de 2010, apenas 1,5% dos profissionais das 500 maiores empresas brasileiras é portador de deficiência. Quando o cálculo se refere aos cargos de gerência, a porcentagem é ainda menor: apenas 0,4% dos 13.629 gestores pesquisados. Uma realidade que envolve preconceito e despreparo das empresas contratantes, segundo o sócio-diretor e consultor da Areté Treinamento e Desenvolvimento Profissional, Antônio Carlos Pereira. “Ainda hoje, as pessoas acreditam que incluir deficientes no quadro de empregados significa, também, fazer mudanças estruturais drásticas, gastar muito dinheiro. Isso não é verdade. Nem toda deficiência exige tantas alterações”, diz.

Para ele, esse desconhecimento faz muitas organizações optarem por pagar a multa em vez de contratar. Uma das justificativas dos empresários para não absorver essa mão de obra diferenciada é relacioná-la à falta de qualificação, o que nem sempre é verdade. Existem pessoas com deficiência que investem em qualificação e, ainda sim, não conseguem uma chance para mostrar o que sabem. Heron é formado em jornalismo e já publicou dois livros: O pássaro ferido – contos e poesias e Mário Eugênio: o gogó das sete. Ambos os títulos tiveram suas edições esgotadas.

Heron dos Santos acredita que só não conseguiu arrumar emprego por causa da discriminação. “As pessoas pegam o meu currículo e falam que não têm vaga. Talvez não me chamem pelas minhas dificuldades. Por esse meu jeito de falar, elas acham que eu não tenho capacidade. Mas eu tenho. Só preciso de uma oportunidade”, garante. A chance que Heron e qualquer outra pessoa com alguma limitação na audição, na visão ou física pedem a cada currículo entregue seria também uma oportunidade para as empresas mudarem sua imagem diante do público.

Pesquisa divulgada no início de dezembro passado, pelos institutos Akatu e Ethos, mostram que os consumidores têm preferência por instituições socialmente mais responsáveis e punem as que não se importam com as minorias. Para 80% dos entrevistados, o aspecto que mais conta ponto positivo para a imagem da empresa nesse sentido é a relação de trabalho. Além disso, o desenvolvimento dessa mentalidade e a política inclusiva nas instituições proporcionam a diversidade no ambiente de trabalho. “Quando falamos em contratação de pessoas com alguma deficiência, falamos também de uma mudança cultural. O grande desafio é fazer as organizações perceberem o quanto a variedade é vantajosa”, afirma a sócia-diretora da Rhaiz Soluções em Recursos Humanos, Carmem Cavalcanti.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, a transformação foi nítida depois do convênio firmado com a Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe) para a inclusão de surdos no mercado de trabalho. Implementado há quase dois anos, o programa já viabilizou a contratação de 120 pessoas. Elas desenvolvem um bom trabalho e vão além. “Depois do ingresso deles, nossa interação melhorou. As pessoas têm boa vontade de ajudar e de realizar funções em grupo. O primeiro objetivo foi a inclusão, mas a presença deles no ambiente de trabalho trouxe muito mais que isso”, afirma o coordenador de registro e processos recursais do STJ, Francisco Coutinho.

Força de vontade

Da mesma forma como acontece para qualquer pessoa que pleiteia uma vaga em alguma empresa privada ou algum órgão público, ter uma formação específica também é exigência fundamental para as pessoas com deficiência. As cotas não devem ser entendidas como protecionismo. Elas exigem pré-requisitos como conhecimento e interesse. E preenchê-los não é tarefa simples. Além do preconceito, existe também a insegurança e a baixa autoestima desses candidatos. “Historicamente, eles foram deixados à margem da sociedade. Passaram por um processo de proteção dos pais, com dificuldade de ter a própria independência. Mas o que os deficientes precisam saber é que todas as pessoas têm limitações. Por isso, os pontos positivos devem ser trabalhados para ficar acima das dificuldades", explica Carmen Cavalcanti.

Segundo o presidente do Instituto Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência no Brasil (Icep Brasil), Sueid Miranda, uma alternativa para se profissionalizar é procurar associações ou entidades representativas das pessoas com necessidades especiais. Elas oferecem ajuda psicológica e formação. Além disso, têm contatos no mercado e parcerias voltadas para a promoção da inclusão. “No Icep, por exemplo, firmamos um convênio com os que desejam empregar os deficientes e os capacitamos para aquela vaga específica”, explica.

Com o lema “O Trabalho é o Melhor Processo de Inclusão Social”, a entidade encaminhou ao mercado 941 pessoas e empregou 470 só em 2009. No levantamento parcial de 2010, feito antes do encerramento do ano, 483 deficientes já estavam com a carteira assinada. “Eles são sempre elogiados, chegam no horário e têm um bom-humor que contagia toda a equipe. Quem os emprega não se arrepende”, conta Sueid Miranda.

A contratação, porém, exige força de vontade. Para ingressar em uma carreira é preciso ir além do contentamento com algum benefício oferecido pelo Estado. Atualmente, as pessoas com mais chances de admissão são aquelas com deficiências físicas, auditivas e de visão. Os que mais sofrem são os cadeirantes, pelas dificuldades de acessibilidade, e os que têm deficiências múltiplas.

Construção civil

O Distrito Federal conta hoje com uma considerável oferta de trabalho para as pessoas com deficiência. E os candidatos, desde que tenham os diferenciais exigidos pelo mercado, podem procurar as vagas com as quais se identificam e competir por elas. Só no setor da construção civil , há mais de 120 oportunidades para contratação imediata. Para preencher o sistema de cotas , o Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), em parceria com o Senai e a Coordenadoria para Inclusão de Pessoas com Deficiência (Corde), está qualificando trabalhadores para que atendam as exigências para atuar no setor.

As primeiras turmas dos cursos de auxiliar de eletricista e auxiliar administrativo estão previstas para janeiro. Em abril, devem ser lançados novas opções de formação. As aulas são gratuitas e estão dividas entre a sala de aula e os canteiros de obras. Após a conclusão, a pessoa com deficiência assina contrato de experiência com empresas do setor. Os interessados podem buscar mais informações no site www.sinduscondf.org.br ou pelo telefone 3234-8310, ramal 225.

Há ainda muitas oportunidades para as áreas de telemarketing e para digitador. A tendência é que sejam ofertadas para essas pessoas vagas para o trabalho com as redes sociais, como Orkut, Facebook e Twitter, cada dia mais comuns na estratégia de divulgação das organizações.

Dicas preciosas - Conheça algumas sugestões para tentar uma chance no mercado de trabalho

» Participe de todos os processos seletivos interessantes e que estejam de acordo com o seu perfil, independentemente de ser destinado a PCDs ou não.

» Faça parte das associações que representam os interesses das pessoas de necessidades especiais.

» Invista em estudos e cursos de formação.

» Comunique-se com profissionais com necessidades especiais por meio de redes sociais.

» Procure associações credenciadas que já tenham contato no mercado de trabalho. Elas fazem, entre outras coisas, um trabalho de qualificação e de recuperação da autoestima.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na realidade, não é só o preconceito dos recrutadores que atrapalha a inclusão, mas a falta de capacitação dos assistentes que deviam monitorar, acompanhar e assistir estes trabalhadores especiais, e dos gestores que trabalham na supervisão, dada às características, necessidades e estado físico e emocional de cada um. Eu passei por um problema deste na Empresa Zaffari Bourbon de Porto Alegre onde os recrutadores foram ótimos, mas a gestão e a assistência foram falhas, ignorantes e preconceituosas.