segunda-feira, 16 de março de 2015

TUDO É POR AMOR

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 15/03/2015

'Tudo é por amor', diz casal que adotou 5 crianças com deficiência. Dificuldade de cuidar de crianças de idades diferentes e todas com algum tipo de deficiência nunca foi motivo de desânimo para os pais adotivos.




Domingo passado (8), quem viu o Fantástico se emocionou com as histórias de dois casais que decidiram adotar crianças com deficiência. Neste domingo (15), a gente vai conhecer uma outra família, que também dá um exemplo de amor e carinho.

“Quando você toma essa iniciativa de querer ter um filho, tudo é por amor. É por vontade de acolher”, diz Ana Paula.

A Ana Paula e o Ricardo estão juntos há mais de 15 anos. E, desde que se conheceram, tinham uma vontade em comum.

“Nunca pensamos em ter filhos biológicos, sempre já foi: vamos ter filhos, vamos adotar. Quando a ideia de adoção veio, já veio junto com crianças especiais. A gente via essa necessidade deles de receber carinho, de serem aceitos, de terem oportunidades”, conta a fisioterapeuta Ana Paula Amaral Gratão.

Primeiro veio o Sidney. Foi adotado com dois anos e meio. Ele tem Síndrome de Down, é autista e perdeu parte da visão.

“Depois que a gente adotou o Sidney, a gente viu que não era importante ser down. A gente daria conta, mas quando ligaram falando da Clara é um sentimento tão forte que não dá para explicar. Você fala, ‘nossa, é minha, eu tenho que ir buscar essa criança’”, diz Ana Paula.

A Clarinha nasceu sem cérebro. Os médicos diziam que a bebezinha de 11 dias não passaria de um mês de vida.

“Ela viveu quase oito anos. É um caso raro na medicina. E foi muito importante na nossa vida. Ela nos ensinou muita coisa. Depois de muitos anos ela sorriu, aprendeu a sorrir. E era muito gostoso. Era muito gostoso chegar no quarto, falar e ela abrir aquele sorriso. Ninguém sabe nada. Ninguém sabe quanto tempo vai durar a vida. Se ela durar hoje, ela tem que ser uma vida boa hoje”, conta o escrevente Ricardo Augusto Vieira.

A vida da Clarinha foi cheia de alegrias e além do Sidney, ela ganhou mais três irmãos. O Henrique, que hoje tem 13 anos, a Tainara, de 15 e o Guilherme, de 8 anos.

“Nós adotamos todos em dois anos e meio”, diz Ricardo.

A dificuldade de cuidar de crianças de idades diferentes e todas com algum tipo de deficiência nunca foi motivo de desânimo para o casal.

Ana Paula: Quando a gente começou a adotar, a nossa vida financeira não era nada favorável pra você ter filhos. Quando a gente foi buscar o Sidney, a Clarinha, em Santa Catarina, a gente foi com carros emprestados, com gasolina dada de outra pessoa.
Ricardo: Com vaquinha.
Ana Paula: A gente não tinha grana, não tinha dinheiro. Mas tinha muito amor.

É muito difícil encontrar uma família que aceite adotar uma criança com deficiência.

Ricardo: Toda família é especial. Todo filho é especial. Todo mundo tem uma coisa própria, um brilho próprio, um jeito próprio. Adotar uma criança assim é compartilhar isso. É um crescimento muito intenso.
Ana Paula: Dos dois lados.
Ricardo: Dos dois lados. Eu acho que as pessoas precisavam vencer essa barreira da deficiência. Os nossos filhos têm muitas dificuldades, mas eles estão sempre sorrindo. Eles estão sempre alegres, dispostos. Por que a gente seria diferente? Vamos ser diferente junto com eles, alegres também.

sábado, 6 de setembro de 2014

SOMOS DIFERENTES, E DAÍ?



ZH 06 de setembro de 2014 | N° 17914


ARTIGO


EMILIO BRKANITCH FILHO*




Uma verdade incontestável, somos todos diferentes.

E daí? Daí que, por sermos diferentes e principalmente por pensarmos diferentemente, é um grande “desafio”. O segredo do sucesso nos relacionamentos em geral é “respeitar as diferenças”.

Não estou incluindo aqui as diferenças por deficiência física, mental ou cognitiva. A essas, por lei e por consenso, é dever do cidadão, respeitar e incluir. Estou me referindo às diferenças de formação, valores, princípios, cultura, opção, escolha, preferência, enfim, à maneira como funcionamos na vida.

No relacionamento interpessoal, amoroso, afetivo de amizades, de família, de trabalho e sociedade em geral, é comum pessoas querendo mudar outras, partindo de referências próprias que consideram ideal. Ditando de forma onipotente e prepotente o certo e o errado, o adequado e o inadequado.

A arte do relacionar-se bem tem, em sua base, uma palavra mágica, “respeito”. Só através dele, seremos capazes de reconhecer que existem inevitáveis diferenças entre um e outro e que é inútil ficar insistindo sobre quem está certo ou errado para provar quem tem razão em busca da posse da verdade.

Reconhecer as “diferenças” que ocasionam uma relevante visualização de um mesmo fato possibilita-nos conhecer o outro como ele realmente é. Assim, fazer a opção em fortalecer ou afastar-se das relações profissionais, amorosas, familiares, de amizade e sociais. No entanto, apropriando-se do “respeito às diferenças”, é possível viver em entendimento e equilíbrio em qualquer relação interpessoal. Pensar diferente é um direito de cada pessoa, se tentarmos “empurrar” alguma ideia ou coisa, fazendo com que o outro adote nossa visão de mundo como a única verdade, certamente, inicia-se uma crise na relação.

Ninguém tem o “poder” de mudar alguém, mudanças de funcionamento na vida só acontecem quando necessitamos e desejamos com determinação. Melhor aceitar que somos diferentes, e daí? Já que as diferenças são inevitáveis, vamos aprender a conviver com elas. Se prestarmos atenção, veremos que são elas que complementam os amantes, amigos, colegas, parentes e cidadãos.


*Psicólogo, psicoterapeuta

sexta-feira, 6 de junho de 2014

OBESOS NO TRABALHO


ZERO HORA 06 de junho de 2014 | N° 17820

KAMILA ALMEIDA



Eles sofrem na busca por emprego. RIO GRANDE DO SUL não tem legislação específica que permita barrar pessoas com IMC alto de ingresso no serviço público, mas pesquisa mostra que 6,2% dos empresários evitam contratá-las



O acúmulo de negativas recebidas ao procurar emprego fizeram José Francisco dos Santos Guimarães, 43 anos, desistir de trabalhar. Em uma das primeiras tentativas de conseguir uma vaga, ainda na juventude, ouviu do entrevistador um “não posso contratar alguém obeso”. Francisco precisava de dinheiro e passou a vender roupas e sapatos de porta em porta até que desistiu. Hoje, com mais de 180 quilos, vive o sonho de realizar a cirurgia de redução de estômago para se lançar novamente no mercado.

O sofrimento de Francisco é compartilhado por muitos obesos que se sentem desestimulados ao ambiente de trabalho. Na pesquisa Profissionais Brasileiros – Um Panorama sobre Contratação, Demissão e Carreira, feita pela Catho em 2013, 6,2% dos empregadores assumiram não contratar obesos.

DESCLASSIFICAÇÃO DE CONCURSADOS EM SP

Nas empresas privadas, a negativa é velada, mas, no serviço público de São Paulo, por exemplo, ter obesidade grave é item desclassificatório. Essa foi a polêmica que se instalou no final de maio, quando o governo paulista barrou o ingresso de um quarto dos professores aprovados nos testes intelectuais do último concurso para o magistério por apresentarem IMC (veja ao lado) maior do que 40. O Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME) informou, por meio de assessoria de imprensa, que cumpre a legislação e o Estatuto do Funcionalismo Público Paulista. A explicação é de que “a obesidade mórbida é doença grave” e “barrando a entrada destas pessoas na carreira pública, o estado estaria se precavendo de arcar com licenças médicas”.

O médico do trabalho e perito da Justiça Jacques Vissoky lembra que contratar um obeso requer adaptação do escritório, custos que as empresas, muitas vezes, não estão interessadas em arcar. Para ele, o que pode impactar no desempenho do trabalhador obeso são as doenças associadas.

– O médico, na hora do exame admissional, tem de ponderar os achados clínicos com o tipo de atividade que será exercida, mas o limite entre a discriminação e a avaliação para o desempenho da atividade é tênue – explica Vissoky.

O chefe do Centro da Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS, Cláudio Mottin, avalia a decisão em São Paulo como correta e explica que a obesidade é uma doença crônica.

– Dentro desta visão, fica mais doente ao longo da vida, custa mais para a saúde pública e para as empresas – afirma, lembrando que a expectativa de vida dos obesos é 20% menor do que a dos magros.

Já o coordenador do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Luiz Alberto De Carli, considera a atitude discriminatória:

– Intelectualmente, eles não teriam problema. Podem apresentar limitações manuais, mas isto não significa deixá-los fora de tudo. Não há oficialmente restrições para a contratação de obesos no Rio Grande do Sul, mas, extraoficialmente, elas ocorrem. E muito.


Poder público tem de ser inclusivo, diz advogado


Celso Jefferson Messias Paganelli é professor de Direito na Faculdades Integradas de Ourinhos, em São Paulo, e brigou na Justiça no ano passado para garantir a vaga de um obeso que havia sido barrado pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME). Ele havia passado para um cargo de enfermagem em um hospital público, mas foi impedido de assumir. Ganharam a ação em primeira instância e o homem trabalha provisoriamente em um hospital, mas ainda cabe recurso do governo do Estado.

– Esses casos podem levar até 10 anos para ter uma solução definitiva – explicou.

As chances de não ter sucesso em ações judiciais como essa são baixas.

– Vamos imaginar uma pessoa que tenha alguma defi- ciência grave, como o diabetes. Ela não pode ser impedida de assumir um cargo público por causa dessa doença, então porque uma pessoa com IMC acima de 40 tem de ser impedida? – questiona Paganelli.

O advogado Aloísio Zimmer Júnior, doutor em Direito Administrativo, lembra que, em 18 anos de exercício da profissão no Rio Grande do Sul, jamais viu qualquer decisão desse tipo por aqui. E mais: a legislação gaúcha ainda prevê a aprovação de pacientes com câncer e HIV, caso comprovem que estão em tratamento médico.

– Uma empresa privada poderia trabalhar com a lógica da eficiência econômica, calcular perdas e ganhos e criar critérios mais rigorosos nesta contratação, mesmo assim, se ficasse claro que o que pesa é a condição que fica entre o estético e a saúde, poderia ser responsabilizada por isto. Mas o poder público não estaria autorizado a isso porque ele trabalha com outra lógica, que é a da inclusão – disse o advogado.


O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC)

É uma medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal, determinada pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura, em que a massa está em quilogramas e a altura em metros

Valores IMC Peso
Menos de 18,5 Abaixo do peso
Entre 18,5 e 24,9 Normal
Entre 25 e 29,9 Sobrepeso
Entre 30 a 34,9 Obeso de grau 1
Entre 35 a 39,9 Obeso de grau 2
Acima de 40 Obeso de grau 3

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ACESSIBILIDADE É ENTRAVE AO RECEPTIVO DE TURISTAS

JORNAL DO COMÉRCIO, 27/01/2014

Poucos estabelecimentos possuem estrutura e equipamentos para receber pessoas portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida

Adriana Lampert


ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC

Célia critica a falta de estrutura oferecida por diversos serviços turísticos no Brasil

Às vésperas da Copa do Mundo no Brasil, pelo menos um aspecto ainda exige mudanças urgentes no trade turístico: a acessibilidade nos espaços públicos e privados. Poucos empresários do setor se deram conta do potencial de mercado quando o assunto é melhor atender portadores de deficiências físicas, auditivas ou visuais. O nicho de pessoas com mobilidade reduzida – que ainda inclui gestantes, idosos, obesos e anões –, ocupa o terceiro lugar no turismo em todo o mundo. Algumas delas devem desembarcar no País em junho deste ano, e outras durante os Jogos Paralímpicos de Verão, que ocorrerão em setembro de 2016 no Rio de Janeiro.

“Será uma vergonha”, sentencia a vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Condefi) da cidade paulista de Santos, Célia Regina Saldanha Diniz. Cadeirante desde os dois anos de idade, a dirigente, que também é funcionária pública municipal, hoje com 49 anos, critica diversos serviços turísticos, desde a aviação até a rede hoteleira. “Como receber um avião cheio de cadeirantes (referindo-se aos paratletas que virão disputar os jogos de 2016), se, nos aeroportos, em situações cotidianas, a presença de um ou dois passageiros já causa diversos constrangimentos?”, questiona.

Célia refere-se ao fato de que poucos desses empreendimentos e companhias aéreas no Brasil possuem o ambulist, elevador de embarque e desembarque para deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida. “Eu viajo muito, e, cada vez que chego a um aeroporto, é um ‘perrengue’ diferente. Eu não posso ter pressa, e me nego a embarcar e desembarcar no colo de alguém desde a última vez que, com a escada do avião molhada porque estava chovendo, quase me derrubaram”, ilustra a funcionária pública. “Tenho uma amiga cega, que, certa vez, para ser ‘auxiliada’ na descida da aeronave, foi literalmente puxada pela bengala – que é, na prática, o olho dela! Isso não é digno, não é decente. É muito difícil”, desabafa a dirigente.

Dados do Ministério do Turismo (MTur) apontam que, somente no Brasil, existem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida. E com alguns direitos básicos, conquistados após anos de luta (como acesso à educação e ao sistema de saúde), agora os portadores de necessidades especiais querem poder viajar, fazer esporte e ter momentos de lazer com as mesmas vantagens que qualquer outra pessoa, aponta o coordenador geral do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Jorge Amaro de Souza.

“Nos últimos anos, dados do Ministério da Educação mostram que o número de pessoas com alguma deficiência aumentou em 900% no Ensino Superior”, mensura Souza. Ele destaca que este nicho – ao contrário do que alguns empresários pensam – é formado por um público de diversas classes sociais e que representa uma boa parte dos turistas que circulam em solo nacional. E, com melhor infraestrutura, este volume pode aumentar, gerando lucro para as empresas que apostarem no investimento em estrutura e equipamentos acessíveis.

“Algumas redes hoteleiras já começaram a se dar conta que essas pessoas também fazem turismo e que um portador de deficiência nunca viaja sozinho, sempre terá pelo menos um acompanhante”, ressalta o coordenador do Conade. Segundo Souza, o investimento em acessibilidade não é caro, quando feito no início de uma obra. “Representa 2% a 5% do total da construção, é um recurso que volta muito rápido”, garante.

“O investimento que se faz para tornar um estabelecimento acessível, se paga muitas vezes somente com a divulgação espontânea na mídia e com a repercussão entre os hóspedes. As pessoas gostam e indicam”, concorda o diretor do Villa Bela Hotel Conceito, Roger José Bacchi, que recentemente teve a hospedagem reconhecida pelo I Prêmio Inovação do Turismo RS (promovido pelo governo do Estado), na categoria Infraestrutura para Portadores de Deficiência – Acessibilidade Universal.
MTur lança campanha nacional para mobilizar empreendedores a melhorarem o trade

Com o objetivo de mobilizar o setor e alertar viajantes com deficiências sobre seus direitos em atividades relacionadas ao turismo, o MTur lançou recentemente uma campanha (com o slogan Turismo Acessível – Um Brasil onde todos podem viajar) que apresenta as dificuldades vividas por pessoas com deficiência auditiva, visual, motora e intelectual em atividades relacionadas ao setor turístico. A ação do Ministério é realizada em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Direcionada às empresas do trade, busca informar gestores e funcionários para que saibam como agir e melhor receber o segmento.

De acordo com o secretário de Políticas de Turismo do órgão federal, Vinicius Lummertz, a ideia inclui capacitar também aqueles empresários que já apostam suas fichas na implementação de infraestrutura adequada e na compra de equipamentos que ajudem a independência dos portadores de necessidades especiais, tanto no deslocamento quanto no desfrute dos serviços.

Em 2013, o governo federal ainda disponibilizou R$ 98 milhões em obras de infraestrutura para acessibilidade nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Também estão sendo qualificados 8 mil profissionais no mercado, para atender melhor ao segmento de deficientes e pessoas com mobilidade reduzida. “Queremos multiplicar o conhecimento. Para isso, fizemos um manual que ensina o caminho que o setor deve trilhar e ainda divulga os destinos que estão apostando nessa ideia”, diz.

Lummertz ressalta que a complexidade da acessibilidade presente em “uma cidade inteira”, inicia-se desde a hora do desembarque do turista, passando pelo transporte de carro ou ônibus, pelas calçadas e entradas de prédios até o banheiro do quarto do hotel. “Meia acessibilidade pode ser cruel”, avalia o secretário do MTur, ao dar o exemplo hipotético de um deficiente visual ou motor caminhando por uma rua acessível que chegue em um estabelecimento onde “tudo complique”.

Mas a realidade é ainda pior. “Eu não encontro nenhum lugar onde se possa caminhar tranquilamente nas calçadas – as principais capitais não têm acessibilidade, no máximo meia dúzia de rampas e pisos táteis que vão do nada a lugar nenhum”, dispara a fonoaudióloga Naira Rodrigues Gaspar, de 44 anos. “Certa vez, em Curitiba, que é lotada de pedras portuguesas na calçada, tive que usar uma ciclovia para me deslocar levando as malas até o hotel – imagine o transtorno!”, observa Naira.

A situação não melhorou quando ela chegou na hospedagem: teve de entrar pela garagem, única alternativa, além da escadaria “enorme” na entrada do estabelecimento. “E o quarto, dito adaptado, tinha um banheiro que alagava, e sequer havia uma tomada na parede”, conta a fonoaudióloga, apontando que ainda “há desleixo e discriminação” em relação aos turistas com necessidades especiais.
Cidades gaúchas investem em estrutura acessível

Graças ao posto de cidade-sede da Copa do Mundo, que ocorrerá em junho, a Capital gaúcha está entre as beneficiadas com recursos do MTur para investir em acessibilidade. Serão injetados R$ 4,8 milhões a partir de março. O primeiro trecho a ser contemplado será o Caminho do Gol, que vai do Largo Glênio Peres até o estádio Beira-Rio.

“Este deve ficar pronto até a Copa”, garante a coordenadora de Planejamento da Secretaria Municipal de Turismo (SMTur), Maria Helena Müller. Segundo ela, neste trajeto serão inseridas rampas, rebaixamentos de calçadas, sinaleiras sonoras, pisos táteis e outras soluções técnicas. Mas a ideia é que, até o final do ano, outras regiões de Porto Alegre recebam a mesma infraestrutura, entre elas, o Centro Histórico, os bairros Moinhos de Vento e Cidade Baixa, o Parque Farroupilha e o acesso ao terminal hidroviário.

Para a coordenadora de Planejamento da SMTur, esse aspecto é “um caminho sem volta” para os destinos que quiserem ampliar o número de turistas. “Acho que é uma tendência”, diz Maria Helena, que acredita que a maioria dos empresários do setor privado já está “assimilando” a ideia. “Temos registro de que 56% dos hotéis cadastrados na SMTur possuem no mínimo uma unidade para deficientes”, alega.

O proprietário do Villa Bela, Roger José Bacchi, adverte que investir em acessibilidade vai além de quartos adaptados. É preciso uma estrutura com mobilidade universal na entrada do hotel, na recepção, no restaurante, na piscina, enfim, em todos os ambientes do estabelecimento. “E os municípios também precisam investir nesse sentido”, ressalta Bacchi.

Na cidade onde o Villa Bela está localizado, em Gramado, o poder público começa a planejar melhorias. A prefeitura desenvolveu um projeto que tem como objetivo transformar Gramado em um destino totalmente acessível a todas as pessoas com necessidades especiais. A busca de recursos para essa iniciativa foi solicitada em Brasília. “Nossa meta é tornar o município referência nacional em acessibilidade no turismo”, afirma o prefeito Nestor Tissot. (AL).

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O DILEMA DA INCLUSÃO


ZERO HORA 26 de setembro de 2013 | N° 17565

ARTIGOS

 Ana Affonso*



A política de educação inclusiva adotada pelo Ministério da Educação orienta os sistemas de ensino para a garantia do ingresso dos estudantes com surdez nas escolas regulares, mediante a oferta da educação bilíngue, dos serviços de tradução e de interpretação de libras/língua portuguesa e do ensino de libras.

Ocorre que, ao enfrentar a discriminação, corre-se o risco de incidir em outro tipo de violência: a negação das diferenças, prejudicando a riqueza inerente a cada cultura e pessoa. É isso que a comunidade surda brasileira, composta por surdos, familiares, profissionais de diferentes áreas, pesquisadores e simpatizantes surdos e não surdos, com o apoio da comunidade surda internacional, aponta como equívoco da atual política federal.

A luta é contra o fechamento de escolas de surdos e pela ampliação da rede de educação bilíngue no país. Lembramos desta luta na semana em que é comemorado o Dia Nacional do Surdo, em 26 de setembro, e no momento em que debatemos o tema na Assembleia Legislativa. Segundo o censo do IBGE de 2010, cerca 5% da população brasileira apresenta deficiência auditiva, sendo cerca de 2 milhões de pessoas com deficiência considerada severa e 344,2 mil pessoas surdas.

As pessoas surdas não precisam apenas de educação especial inclusiva. Elas necessitam, sobretudo, de educação bilíngue que leve em conta sua cultura e identidade na comunidade escolar. Isso requer a interação com professores sinalizadores fluentes e em meio a uma comunidade linguística sinalizadora, que inclui colegas sinalizadores. A inclusão de alunos surdos em escolas da rede de ensino regular limita essa possibilidade, favorecendo a interação com colegas e professores ouvintes, mas, por outro lado, fragilizando sua própria cultura e identidade.

O Ministério da Educação está trabalhando para a superação da discriminação na educação, mediante a política de inclusão com garantia de apoio pedagógico de acordo com as necessidades de cada um. Melhor seria se essa medida não fosse uma obrigatoriedade, garantindo o direito fundamental à liberdade individual, sem prejudicar o direito à educação para todos e todas e, muito menos, a inclusão social. A luta da comunidade surda também é pelo combate à discriminação, mas mediante o reforço da identidade cultural das pessoas com surdez.

*Deputada estadual (PT), presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS

terça-feira, 6 de agosto de 2013

UMA LEI SOB AMEAÇA

FOLHA.COM 06/08/2013 - 03h00


Linamara Rizzo Battistella



Nos últimos 12 meses, apenas 9.000 pessoas com deficiência foram empregadas formalmente no país.

O número é pífio para um país que comemora 22 anos de vigência da chamada Lei de Cotas, que determina que as empresas com cem funcionários ou mais devem reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.

A promoção da inclusão é urgente. Em 2010, havia aproximadamente 44 milhões de empregos formais ativos no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Destes, apenas 306 mil eram preenchidos por pessoas com deficiência como decorrência da Lei de Cotas, o que equivale a 0,7% do total. Se todas as empresas cumprissem a lei, o Brasil teria hoje mais de 900 mil pessoas com deficiência empregadas.

Por outro lado, dados do IBGE mostram que, também em 2010, existiam 3,8 milhões de pessoas com deficiência ocupadas, independentemente da Lei de Cotas, a maior parte no mercado informal.

Esses números não significam o fracasso de uma política pública. Ao contrário, nos impelem a identificar os motivos que retardam a obtenção dos resultados esperados e celebrar políticas afirmativas que avançam no sentido de vencer resistências.

Entre essas resistências, uma das mais frequentes é a ideia de que não existiria no mercado um número grande de pessoas com deficiência capacitadas para o trabalho, seja por baixa escolaridade ou por falta de experiência profissional.

Os números do IBGE desmentem essas justificativas. Em 2010, 2,8 milhões de pessoas com deficiência possuíam ensino superior completo, incluindo mestrado e doutorado, o que seria mais do que suficiente para suprir as vagas criadas pela Lei de Cotas. Por sua vez, a falta de experiência deriva de décadas de uma prática excludente, em que as portas das empresas se fechavam sistematicamente a qualquer tentativa de ingresso dessa população.

Muito decepcionante é constatar que parte do setor econômico ainda despende tempo e energia tentando flexibilizar a Lei de Cotas, propondo substituir as contratações pela oferta de cursos de capacitação, compensação financeira para entidades do terceiro setor e outras mazelas que perpetuam a exclusão.

Recentemente, essas mudanças foram propostas no projeto de lei nº 112, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), felizmente retirado da pauta do Congresso.

Agora, as mesmas ideias voltam repaginadas em artigos do projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência, também em tramitação no Legislativo federal.

O Estado de São Paulo reconhece que a inclusão gera oportunidades em diferentes dimensões e incentiva o ingresso de pessoas com deficiência no mercado. O Via Rápida Emprego, por exemplo, disponibiliza vagas e oferece gratuitamente cursos básicos de qualificação profissional de acordo com as demandas regionais. Já o Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência (Padef) proporciona a obtenção e a manutenção do emprego.

A população não pode aceitar que setores tentem alterar uma lei que só agora começa a dar frutos. Ainda não vencemos a partida contra o preconceito, mas a Lei de Cotas é a melhor estratégia de que dispomos. Em time que ainda está empatando não se mexe, mas o que realmente buscamos é a vitória da inclusão e participação.

LINAMARA RIZZO BATTISTELLA é médica fisiatra, professora da USP e secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo

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segunda-feira, 25 de março de 2013

VIDA DE DESAFIOS

ZERO HORA 25 de março de 2013 | N° 17382

Dusik, mestre da superação

Cláudio venceu prognósticos médicos desanimadores e amanhã enfrenta outra batalha: defende tese de mestrado na UFRGS



Com a urgência imposta pela rápida progressão de uma atrofia muscular espinhal (AME) que deformava o corpo e impedia os movimentos, Cláudio Luciano Dusik desvendou livros de informática e desenvolveu um teclado virtual para continuar escrevendo. Amanhã, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o morador de Esteio de 36 anos defende sua dissertação de mestrado, detalhando a criação do aplicativo e os casos de cinco deficientes que se beneficiam com o programa, distribuído gratuitamente.

Bacharel em psicologia com duas especializações na área, Dusik sofre de AME do tipo Werdnig-Hoffmann. No decorrer da graduação, quando as mãos começaram a enrijecer, o estudante decidiu conceber a própria solução.

– Se tem um programinha que digita números, por que não tem um que digita letras? – pensou, ao utilizar uma calculadora no computador.

O universitário submergiu em lições de computação, área que desconhecia por completo. Nas madrugadas e nos intervalos da faculdade, destrinchou volumes “do tamanho de uma Bíblia” sobre linguagem de programação. O Mousekey, concluído em quatro meses, passou a permitir a seleção de letras e sílabas na tela, a partir de cliques no mouse. Hoje, Dusik consegue mexer, muito pouco, apenas a cabeça e a mão esquerda.

– A minha necessidade era urgente. A escrita iria me limitar, e a tecnologia me incluiu – comenta o mestrando.

Orientadora de Dusik, a doutora em Educação Lucila Maria Costi Santarosa destaca o brilhantismo, a persistência e a sensibilidade do aluno.

– Acabou essa história de a pessoa com deficiência ser a coitadinha. Você tem de dar espaço para ela crescer. O Cláudio responde prontamente, e à altura, a todos os desafios que você coloca – elogia a professora.

A presença de Dusik frente à banca avaliadora é mais uma conquista em uma trajetória improvável. Impactados com o diagnóstico do bebê, aos dois anos, e pelo alerta de que sobreviveria no máximo até os sete, os pais o submeteram a qualquer recurso que oferecesse um mínimo de esperança: tratamentos médicos, terapias alternativas e práticas religiosas.

LARISSA ROSO


Prognóstico médico era de fim iminente

Após inúmeras negativas em outras instituições, e com o tempo esgotando-se, um colégio particular, de orientação católica, aceitou a matrícula do menino. Para conseguir a vaga, a mãe fez um apelo à direção.

– Mas vocês pregam o amor! O meu filho não tem o amor de Deus? – questionou Eliza Arnoldo, 58 anos, professora de séries iniciais.

Aos cinco anos recém-completos, Dusik foi encaminhado a uma turma de 1ª série, para provar que seria capaz de aprender. Acomodaram-no em uma cadeira de dar papinhas a bebês, levada por Eliza, o corpo sem firmeza contido por almofadas para que não escorregasse. Impossibilitado de descer ao pátio, em um prédio sem elevador, ficava sozinho na sala durante o recreio. No segundo bimestre, estava alfabetizado.

Segundo de seis filhos – a única mulher também tem a doença –, o garoto vencia os dias imaginando a morte iminente. Os pais e os médicos explicavam que não tardaria a chegada do momento em que ele iria “morar com o papai do céu”. O desfecho fatídico era tão alardeado que, após um período afastado das aulas, devido a uma intensa piora no quadro, o retorno espantou os colegas.

– Ué, “sor”? Ele voltou do céu? – perguntou uma menina ao professor.

Na adolescência, Dusik deparou com a necessidade de planejar uma carreira – perspectiva jamais considerada por alguém que havia se conformado com o futuro de “anjo”. Agora, o quase mestre se prepara para a seleção do programa de doutorado, em abril:

– Vou seguir a minha vida. Nenhuma pessoa sabe o dia da sua morte. Não vou poder falar, não vou poder deglutir, vou usar aparelho para respirar. Sei que isso vai fazer parte de mim e vou pensar em como me adaptar.

O que é a doença

- A atrofia muscular espinhal (AME) tem origem genética e causa degeneração das células do corno anterior da medula espinhal (neurônios motores). Provoca fraqueza e atrofia muscular progressivas, comprometendo os movimentos. Há quatro tipos de AME, que se diferenciam pela expectativa de vida e pelo prognóstico.

- É uma doença rara. Pode se manifestar na infância ou na juventude e costuma poupar a capacidade cognitiva. Bebês apresentam flacidez e não conseguem engatinhar, sentar sem apoio, firmar o pescoço e caminhar.

- Como o músculo sustenta os ossos, podem ocorrer deformidades musculoesqueléticas em decorrência da fraqueza muscular. Há alteração, principalmente, da caixa torácica e dos membros superiores, além de problemas respiratórios.

- Reabilitação física, respiratória e terapia ocupacional devem ser iniciadas a partir do diagnóstico.