sábado, 6 de setembro de 2014

SOMOS DIFERENTES, E DAÍ?



ZH 06 de setembro de 2014 | N° 17914


ARTIGO


EMILIO BRKANITCH FILHO*




Uma verdade incontestável, somos todos diferentes.

E daí? Daí que, por sermos diferentes e principalmente por pensarmos diferentemente, é um grande “desafio”. O segredo do sucesso nos relacionamentos em geral é “respeitar as diferenças”.

Não estou incluindo aqui as diferenças por deficiência física, mental ou cognitiva. A essas, por lei e por consenso, é dever do cidadão, respeitar e incluir. Estou me referindo às diferenças de formação, valores, princípios, cultura, opção, escolha, preferência, enfim, à maneira como funcionamos na vida.

No relacionamento interpessoal, amoroso, afetivo de amizades, de família, de trabalho e sociedade em geral, é comum pessoas querendo mudar outras, partindo de referências próprias que consideram ideal. Ditando de forma onipotente e prepotente o certo e o errado, o adequado e o inadequado.

A arte do relacionar-se bem tem, em sua base, uma palavra mágica, “respeito”. Só através dele, seremos capazes de reconhecer que existem inevitáveis diferenças entre um e outro e que é inútil ficar insistindo sobre quem está certo ou errado para provar quem tem razão em busca da posse da verdade.

Reconhecer as “diferenças” que ocasionam uma relevante visualização de um mesmo fato possibilita-nos conhecer o outro como ele realmente é. Assim, fazer a opção em fortalecer ou afastar-se das relações profissionais, amorosas, familiares, de amizade e sociais. No entanto, apropriando-se do “respeito às diferenças”, é possível viver em entendimento e equilíbrio em qualquer relação interpessoal. Pensar diferente é um direito de cada pessoa, se tentarmos “empurrar” alguma ideia ou coisa, fazendo com que o outro adote nossa visão de mundo como a única verdade, certamente, inicia-se uma crise na relação.

Ninguém tem o “poder” de mudar alguém, mudanças de funcionamento na vida só acontecem quando necessitamos e desejamos com determinação. Melhor aceitar que somos diferentes, e daí? Já que as diferenças são inevitáveis, vamos aprender a conviver com elas. Se prestarmos atenção, veremos que são elas que complementam os amantes, amigos, colegas, parentes e cidadãos.


*Psicólogo, psicoterapeuta

sexta-feira, 6 de junho de 2014

OBESOS NO TRABALHO


ZERO HORA 06 de junho de 2014 | N° 17820

KAMILA ALMEIDA



Eles sofrem na busca por emprego. RIO GRANDE DO SUL não tem legislação específica que permita barrar pessoas com IMC alto de ingresso no serviço público, mas pesquisa mostra que 6,2% dos empresários evitam contratá-las



O acúmulo de negativas recebidas ao procurar emprego fizeram José Francisco dos Santos Guimarães, 43 anos, desistir de trabalhar. Em uma das primeiras tentativas de conseguir uma vaga, ainda na juventude, ouviu do entrevistador um “não posso contratar alguém obeso”. Francisco precisava de dinheiro e passou a vender roupas e sapatos de porta em porta até que desistiu. Hoje, com mais de 180 quilos, vive o sonho de realizar a cirurgia de redução de estômago para se lançar novamente no mercado.

O sofrimento de Francisco é compartilhado por muitos obesos que se sentem desestimulados ao ambiente de trabalho. Na pesquisa Profissionais Brasileiros – Um Panorama sobre Contratação, Demissão e Carreira, feita pela Catho em 2013, 6,2% dos empregadores assumiram não contratar obesos.

DESCLASSIFICAÇÃO DE CONCURSADOS EM SP

Nas empresas privadas, a negativa é velada, mas, no serviço público de São Paulo, por exemplo, ter obesidade grave é item desclassificatório. Essa foi a polêmica que se instalou no final de maio, quando o governo paulista barrou o ingresso de um quarto dos professores aprovados nos testes intelectuais do último concurso para o magistério por apresentarem IMC (veja ao lado) maior do que 40. O Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME) informou, por meio de assessoria de imprensa, que cumpre a legislação e o Estatuto do Funcionalismo Público Paulista. A explicação é de que “a obesidade mórbida é doença grave” e “barrando a entrada destas pessoas na carreira pública, o estado estaria se precavendo de arcar com licenças médicas”.

O médico do trabalho e perito da Justiça Jacques Vissoky lembra que contratar um obeso requer adaptação do escritório, custos que as empresas, muitas vezes, não estão interessadas em arcar. Para ele, o que pode impactar no desempenho do trabalhador obeso são as doenças associadas.

– O médico, na hora do exame admissional, tem de ponderar os achados clínicos com o tipo de atividade que será exercida, mas o limite entre a discriminação e a avaliação para o desempenho da atividade é tênue – explica Vissoky.

O chefe do Centro da Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS, Cláudio Mottin, avalia a decisão em São Paulo como correta e explica que a obesidade é uma doença crônica.

– Dentro desta visão, fica mais doente ao longo da vida, custa mais para a saúde pública e para as empresas – afirma, lembrando que a expectativa de vida dos obesos é 20% menor do que a dos magros.

Já o coordenador do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Luiz Alberto De Carli, considera a atitude discriminatória:

– Intelectualmente, eles não teriam problema. Podem apresentar limitações manuais, mas isto não significa deixá-los fora de tudo. Não há oficialmente restrições para a contratação de obesos no Rio Grande do Sul, mas, extraoficialmente, elas ocorrem. E muito.


Poder público tem de ser inclusivo, diz advogado


Celso Jefferson Messias Paganelli é professor de Direito na Faculdades Integradas de Ourinhos, em São Paulo, e brigou na Justiça no ano passado para garantir a vaga de um obeso que havia sido barrado pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME). Ele havia passado para um cargo de enfermagem em um hospital público, mas foi impedido de assumir. Ganharam a ação em primeira instância e o homem trabalha provisoriamente em um hospital, mas ainda cabe recurso do governo do Estado.

– Esses casos podem levar até 10 anos para ter uma solução definitiva – explicou.

As chances de não ter sucesso em ações judiciais como essa são baixas.

– Vamos imaginar uma pessoa que tenha alguma defi- ciência grave, como o diabetes. Ela não pode ser impedida de assumir um cargo público por causa dessa doença, então porque uma pessoa com IMC acima de 40 tem de ser impedida? – questiona Paganelli.

O advogado Aloísio Zimmer Júnior, doutor em Direito Administrativo, lembra que, em 18 anos de exercício da profissão no Rio Grande do Sul, jamais viu qualquer decisão desse tipo por aqui. E mais: a legislação gaúcha ainda prevê a aprovação de pacientes com câncer e HIV, caso comprovem que estão em tratamento médico.

– Uma empresa privada poderia trabalhar com a lógica da eficiência econômica, calcular perdas e ganhos e criar critérios mais rigorosos nesta contratação, mesmo assim, se ficasse claro que o que pesa é a condição que fica entre o estético e a saúde, poderia ser responsabilizada por isto. Mas o poder público não estaria autorizado a isso porque ele trabalha com outra lógica, que é a da inclusão – disse o advogado.


O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC)

É uma medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal, determinada pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura, em que a massa está em quilogramas e a altura em metros

Valores IMC Peso
Menos de 18,5 Abaixo do peso
Entre 18,5 e 24,9 Normal
Entre 25 e 29,9 Sobrepeso
Entre 30 a 34,9 Obeso de grau 1
Entre 35 a 39,9 Obeso de grau 2
Acima de 40 Obeso de grau 3

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ACESSIBILIDADE É ENTRAVE AO RECEPTIVO DE TURISTAS

JORNAL DO COMÉRCIO, 27/01/2014

Poucos estabelecimentos possuem estrutura e equipamentos para receber pessoas portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida

Adriana Lampert


ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC

Célia critica a falta de estrutura oferecida por diversos serviços turísticos no Brasil

Às vésperas da Copa do Mundo no Brasil, pelo menos um aspecto ainda exige mudanças urgentes no trade turístico: a acessibilidade nos espaços públicos e privados. Poucos empresários do setor se deram conta do potencial de mercado quando o assunto é melhor atender portadores de deficiências físicas, auditivas ou visuais. O nicho de pessoas com mobilidade reduzida – que ainda inclui gestantes, idosos, obesos e anões –, ocupa o terceiro lugar no turismo em todo o mundo. Algumas delas devem desembarcar no País em junho deste ano, e outras durante os Jogos Paralímpicos de Verão, que ocorrerão em setembro de 2016 no Rio de Janeiro.

“Será uma vergonha”, sentencia a vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Condefi) da cidade paulista de Santos, Célia Regina Saldanha Diniz. Cadeirante desde os dois anos de idade, a dirigente, que também é funcionária pública municipal, hoje com 49 anos, critica diversos serviços turísticos, desde a aviação até a rede hoteleira. “Como receber um avião cheio de cadeirantes (referindo-se aos paratletas que virão disputar os jogos de 2016), se, nos aeroportos, em situações cotidianas, a presença de um ou dois passageiros já causa diversos constrangimentos?”, questiona.

Célia refere-se ao fato de que poucos desses empreendimentos e companhias aéreas no Brasil possuem o ambulist, elevador de embarque e desembarque para deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida. “Eu viajo muito, e, cada vez que chego a um aeroporto, é um ‘perrengue’ diferente. Eu não posso ter pressa, e me nego a embarcar e desembarcar no colo de alguém desde a última vez que, com a escada do avião molhada porque estava chovendo, quase me derrubaram”, ilustra a funcionária pública. “Tenho uma amiga cega, que, certa vez, para ser ‘auxiliada’ na descida da aeronave, foi literalmente puxada pela bengala – que é, na prática, o olho dela! Isso não é digno, não é decente. É muito difícil”, desabafa a dirigente.

Dados do Ministério do Turismo (MTur) apontam que, somente no Brasil, existem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida. E com alguns direitos básicos, conquistados após anos de luta (como acesso à educação e ao sistema de saúde), agora os portadores de necessidades especiais querem poder viajar, fazer esporte e ter momentos de lazer com as mesmas vantagens que qualquer outra pessoa, aponta o coordenador geral do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Jorge Amaro de Souza.

“Nos últimos anos, dados do Ministério da Educação mostram que o número de pessoas com alguma deficiência aumentou em 900% no Ensino Superior”, mensura Souza. Ele destaca que este nicho – ao contrário do que alguns empresários pensam – é formado por um público de diversas classes sociais e que representa uma boa parte dos turistas que circulam em solo nacional. E, com melhor infraestrutura, este volume pode aumentar, gerando lucro para as empresas que apostarem no investimento em estrutura e equipamentos acessíveis.

“Algumas redes hoteleiras já começaram a se dar conta que essas pessoas também fazem turismo e que um portador de deficiência nunca viaja sozinho, sempre terá pelo menos um acompanhante”, ressalta o coordenador do Conade. Segundo Souza, o investimento em acessibilidade não é caro, quando feito no início de uma obra. “Representa 2% a 5% do total da construção, é um recurso que volta muito rápido”, garante.

“O investimento que se faz para tornar um estabelecimento acessível, se paga muitas vezes somente com a divulgação espontânea na mídia e com a repercussão entre os hóspedes. As pessoas gostam e indicam”, concorda o diretor do Villa Bela Hotel Conceito, Roger José Bacchi, que recentemente teve a hospedagem reconhecida pelo I Prêmio Inovação do Turismo RS (promovido pelo governo do Estado), na categoria Infraestrutura para Portadores de Deficiência – Acessibilidade Universal.
MTur lança campanha nacional para mobilizar empreendedores a melhorarem o trade

Com o objetivo de mobilizar o setor e alertar viajantes com deficiências sobre seus direitos em atividades relacionadas ao turismo, o MTur lançou recentemente uma campanha (com o slogan Turismo Acessível – Um Brasil onde todos podem viajar) que apresenta as dificuldades vividas por pessoas com deficiência auditiva, visual, motora e intelectual em atividades relacionadas ao setor turístico. A ação do Ministério é realizada em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Direcionada às empresas do trade, busca informar gestores e funcionários para que saibam como agir e melhor receber o segmento.

De acordo com o secretário de Políticas de Turismo do órgão federal, Vinicius Lummertz, a ideia inclui capacitar também aqueles empresários que já apostam suas fichas na implementação de infraestrutura adequada e na compra de equipamentos que ajudem a independência dos portadores de necessidades especiais, tanto no deslocamento quanto no desfrute dos serviços.

Em 2013, o governo federal ainda disponibilizou R$ 98 milhões em obras de infraestrutura para acessibilidade nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Também estão sendo qualificados 8 mil profissionais no mercado, para atender melhor ao segmento de deficientes e pessoas com mobilidade reduzida. “Queremos multiplicar o conhecimento. Para isso, fizemos um manual que ensina o caminho que o setor deve trilhar e ainda divulga os destinos que estão apostando nessa ideia”, diz.

Lummertz ressalta que a complexidade da acessibilidade presente em “uma cidade inteira”, inicia-se desde a hora do desembarque do turista, passando pelo transporte de carro ou ônibus, pelas calçadas e entradas de prédios até o banheiro do quarto do hotel. “Meia acessibilidade pode ser cruel”, avalia o secretário do MTur, ao dar o exemplo hipotético de um deficiente visual ou motor caminhando por uma rua acessível que chegue em um estabelecimento onde “tudo complique”.

Mas a realidade é ainda pior. “Eu não encontro nenhum lugar onde se possa caminhar tranquilamente nas calçadas – as principais capitais não têm acessibilidade, no máximo meia dúzia de rampas e pisos táteis que vão do nada a lugar nenhum”, dispara a fonoaudióloga Naira Rodrigues Gaspar, de 44 anos. “Certa vez, em Curitiba, que é lotada de pedras portuguesas na calçada, tive que usar uma ciclovia para me deslocar levando as malas até o hotel – imagine o transtorno!”, observa Naira.

A situação não melhorou quando ela chegou na hospedagem: teve de entrar pela garagem, única alternativa, além da escadaria “enorme” na entrada do estabelecimento. “E o quarto, dito adaptado, tinha um banheiro que alagava, e sequer havia uma tomada na parede”, conta a fonoaudióloga, apontando que ainda “há desleixo e discriminação” em relação aos turistas com necessidades especiais.
Cidades gaúchas investem em estrutura acessível

Graças ao posto de cidade-sede da Copa do Mundo, que ocorrerá em junho, a Capital gaúcha está entre as beneficiadas com recursos do MTur para investir em acessibilidade. Serão injetados R$ 4,8 milhões a partir de março. O primeiro trecho a ser contemplado será o Caminho do Gol, que vai do Largo Glênio Peres até o estádio Beira-Rio.

“Este deve ficar pronto até a Copa”, garante a coordenadora de Planejamento da Secretaria Municipal de Turismo (SMTur), Maria Helena Müller. Segundo ela, neste trajeto serão inseridas rampas, rebaixamentos de calçadas, sinaleiras sonoras, pisos táteis e outras soluções técnicas. Mas a ideia é que, até o final do ano, outras regiões de Porto Alegre recebam a mesma infraestrutura, entre elas, o Centro Histórico, os bairros Moinhos de Vento e Cidade Baixa, o Parque Farroupilha e o acesso ao terminal hidroviário.

Para a coordenadora de Planejamento da SMTur, esse aspecto é “um caminho sem volta” para os destinos que quiserem ampliar o número de turistas. “Acho que é uma tendência”, diz Maria Helena, que acredita que a maioria dos empresários do setor privado já está “assimilando” a ideia. “Temos registro de que 56% dos hotéis cadastrados na SMTur possuem no mínimo uma unidade para deficientes”, alega.

O proprietário do Villa Bela, Roger José Bacchi, adverte que investir em acessibilidade vai além de quartos adaptados. É preciso uma estrutura com mobilidade universal na entrada do hotel, na recepção, no restaurante, na piscina, enfim, em todos os ambientes do estabelecimento. “E os municípios também precisam investir nesse sentido”, ressalta Bacchi.

Na cidade onde o Villa Bela está localizado, em Gramado, o poder público começa a planejar melhorias. A prefeitura desenvolveu um projeto que tem como objetivo transformar Gramado em um destino totalmente acessível a todas as pessoas com necessidades especiais. A busca de recursos para essa iniciativa foi solicitada em Brasília. “Nossa meta é tornar o município referência nacional em acessibilidade no turismo”, afirma o prefeito Nestor Tissot. (AL).